Volume 8, Nº1, (2023)
5 |
|
||
6 |
|
||
22 |
|
||
38 |
|
||
52 |
|
Após mais de quatro décadas de defesa do primado da saúde nas toxicodependências e, depois de tantos anos com política de mecanismos punitivos, deixámos definitivamente para trás, consagrado na Lei nº30/2000, de 29 de novembro, o castigo punitivo e o cortejo da repressão penal por alguém consumir e sofrer de dependência de substâncias psicoativas, e libertámos as pessoas com problemas de adição do vil oficio do castigo e da arquitectura moralista. Operou‑se uma transformação onde a punição para o toxicodependente se tornou um facto histórico da privação de um direito à liberdade
de um bem essencial como é o da saúde e, consequentemente, contrário ao direito mais
elevado de cidadania e do progresso humanista em particular no que diz respeito aos doentes.
O que está em jogo são as vozes que recentemente vieram a público com conteúdo preocupante que fazem lembrar uma certa “liturgia punitiva” para os toxicodependentes, que pensávamos arredada da nossa sociedade. A recuperação dum pensamento
em que as medidas proibitivas e respectivas medidas de coacção constituem um modo de dissuasão de comportamentos aditivos com intenção de neutralizar os perigos para a sociedade, desencadeando um papel de vigilância externa, e de uma disciplina social para o indivíduo com problemas de adição, é um risco agravado de retrocesso, não apenas na abordagem ao doente com perturbações ligadas ao consumo de substâncias psicoactivas, desqualificando a sua gravidade e pondo em causa todo um saber científico, mas também amputando a totalidade do indivíduo ao recuperar a ideia mítica do marginal e do delinquente, que atenta contra o sossego social, desvalorizando assim a pessoa doente.
Hoje, as noções de repressão, de rejeição e de marginalização, só podem ser compreendidos numa sociedade inquisitória, uma sociedade prisional.
Com o contributo do saber científico, temos obrigação de colocar a questão de saber até que ponto está diminuída a capacidade de gestão da vontade por parte do sujeito com adição e de que forma a própria justiça poderá ser mais útil à recuperação da sua saúde. Ou seja, também na área das toxicodependências se deixou um sistema jurídico de interdição e submissão para um sistema compreensivo da perturbação que afecta um ser humano, aproximando o direito penal das ciências humanas. É melhor tratar do que reprimir, mesmo que seja através de tratamento médico obrigatório em substituição
da condenação penal sempre que a dimensão da ilicitude do acto o permitir.
Renunciar a estas condições seria o oposto a todas as conquistas de direitos e garantias sobre o direito á saúde de cidadãos doentes e, em simultâneo, ao conhecimento científico adquirido em matéria de comportamentos e patologias das adições. Seria regressarmos à condenação de um cidadão menorizado pelo único “delito” de uma existência atormentada por uma doença cerebralmente incapacitante, comprometedora da sua liberdade de decisão.
João Curto
Diretor
Nuno Silva Miguel
Conselho editorial
Alice CastroCarlos Vasconcelos
Catarina Durão
Emídio Abrantes
Emília Leitão
Graça Vilar
Helena Dias
João Curto
Leonor Madureira
Luiz Gamito
Rocha Almeida
Propriedade
Associação Portuguesa de Adictologia
Associação para o Estudo das Drogas e das Dependências
Correspondência: Rua Luís Duarte Santos, nº 18 – 4º O
3030‑403 Coimbra
www.adictologia.com
Desenho e Paginação
Henrique Patrício
ISSN – 2183‑3168
Publicação Semestral