AS DROGAS ESTÃO MAIS POTENTES E PERIGOSAS

AS DROGAS ESTÃO MAIS POTENTES E PERIGOSAS

O Relatório Europeu sobre Drogas, lançado todos os anos pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, vem realçando que a concentração do principal principio psicoativo das drogas, aquele que tem propriedades euforizantes, psicoativas e de intoxicação, tem vindo a aumentar de ano para ano. Se olharmos para o relatório saído em 2020 vemos que um comprimido de ecstasy tinha em 2008 cerca de 100 mg de MDMA e que em 2018 o mesmo comprimido tem agora 235 mg de MDMA. Na cannabis há um aumento geral da potência da cannabis herbácea (erva) e da resina de cannabis (haxixe), indicando que o teor de THC da resina vendida na Europa é hoje, em média, quase o dobro do da cannabis herbácea. Também com a cocaína, na última década na Europa, se verifica um grau de pureza cada vez maior, varia entre 23% a 87%, sendo que a maioria dos países comunicaram uma pureza média entre 53% e 69%. Na heroína este grau de pureza não é tão significativo, varia entre os 18% e os 30%
O relatório refere ainda que este aumento de potência e de pureza das drogas não veio afetar o preço de venda a retalho das mesmas que, de uma maneira geral, tem permanecido estável.
Com o aumento da potência e da pureza as drogas ficam mais aditivas, dão uma dependência mais rápida e, como estas substâncias atuam todas no cérebro, as consequências a nível mental surgem mais frequentemente com dificuldades de motivação e concentração, alterações da memória, défice controle de impulsos, ansiedade, depressão, psicoses.
Trazemos aqui um estudo sobre o aumento da potência da cannabis publicado na revista Addiction em 2020 “Changes in delta‐9‐tetrahydrocannabinol (THC) and cannabidiol (CBD) concentrations in cannabis over time: systematic review and meta‐analysis”. Os autores analisaram dados de mais de 80.000 amostras de cannabis recolhidas no mercado de rua nos últimos 50 anos em vários países, EUA, Reino Unido, Holanda, França, Dinamarca, Itália e Nova Zelândia. Os dados revelam que entre 1970 e 2017 as concentrações de THC aumentaram 14% na cannabis herbácea e 25% na resina de cannabis. Referem ainda que esta alteração de concentração de THC da cannabis é equivalente a um aumento de 5 mg de THC por ano, dose suficiente para uma intoxicação leve.
O estudo revela ainda que à medida que aumentava significativamente a concentração de THC, a concentração de cannabidiol (CBD) permanecia estável. Sabemos que estes dois principais componentes da cannabis, THC e CBD, estando em concentrações adequadas têm uma importante função nos efeitos que cada um tem junto do consumidor. O THC é responsável pelos efeitos da intoxicação de cannabis e se o consumo é muito frequente pode causar alterações da memória, perda de energia, ansiedade e sintomas psicóticos. O CBD não é intoxicante e atua compensando vários efeitos vários efeitos prejudiciais do THC, incluindo os danos na memória e os sintomas psicóticos. A mudança da concentração destes dois componentes da cannabis implica um aumento da potência da cannabis e, quando há consumo, há uma maior libertação de THC, que vários autores têm associado ao aparecimento de problemas de saúde, adição, aumento de pedidos de tratamento, elevado risco para surgirem sintomas psicóticos. Entre os mais jovens, esta elevada concentração de THC, tem implicações importantes para a saúde uma vez que estando numa fase de desenvolvimento e maturação cerebral estão mais vulneráveis aos riscos do consumo de cannabis
A verdade é que a cannabis que se consume nos dias de hoje é muito diferente da que se consumia há 30-40 anos. Nos anos 80 um “charro” continha 3-5% de THC e 1-2% de CBD, atualmente tem 20-30% de THC e 0,5% de CBD. Se antes o fumar “um charro” era partilhá-lo entre várias pessoas num ambiente social e/ou recreativo, hoje em dia é mais um consumo isolado, em casa, sem qualquer partilha e realizado várias vezes no dia.
Depois do álcool e o tabaco, a cannabis é a substância mais consumida em Portugal. Embora o “peso” do consumo de cannabis para a saúde pública seja claramente menor do que é para o álcool, tabaco e outras drogas ilícitas, existem fortes evidências que o consumo frequente de cannabis está associado a riscos vários para a saúde, défices cognitivos e psicomotores agudos, psicose, dependência, problemas respiratórios ou brônquicos, acidentes de viação, na gravidez, baixo rendimento escolar e profissional. É importante referir que uma proporção substancial desses problemas ocorre em consumidores que iniciaram o uso na adolescência ou continuaram a usar frequentemente até a idade adulta. Há evidência relevante de que o uso de cannabis de início precoce (por exemplo, antes dos 18 anos) está associado a um maior risco de dependência e problemas posteriores. Por isso, é importante olhar para o último inquérito ECTAD-2019 realizado junto da população escolar com idades entre os 13 e os 18 anos e abrangendo Portugal Continental e Ilhas, que nos revela que 13% já tinham experimentado cannabis pelo menos uma vez na vida e que 6% já tinham um consumo regular (últimos trinta dias).
Este aumento de consumo de cannabis tem trazido mais pessoas para o tratamento. De acordo com o relatório anual do SICAD “A Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependências” (2019), dos utentes que recorreram pela primeira vez a consulta na rede pública de serviços, 53% referiram como substância principal a cannabis, 26% a cocaína e 16% a heroína. Se fizermos a comparação com o ano de 2003 vemos que a substância principal que levou pela primeira vez à consulta 79% dos utentes foi a heroína, 10% a cannabis e 5% a cocaína.
À medida que a potência da cannabis vai aumentando, também aumenta o número de pessoas que entram em tratamento por problemas de uso de cannabis
Em termos de tratamento coloca-se um enorme desafio para os profissionais que trabalham na área das adições, tratamentos para drogas como a cannabis, a cocaína e as anfetaminas são ainda pouco eficazes, ao contrário dos tratamentos para a heroína, o álcool ou mesmo para o tabaco. Por isso, precisamos encontrar estratégias que diminuam os problemas associados ao consumo de cannabis, evitar o consumo em idades mais novas, preferir cannabis com um baixo teor de THC ou cannabis com uma relação equilibrada de THC e CBD, abster-se de usar cannabinoides sintéticos, por exemplo.

28-02-2021